Por que não se deve forçar a criança a comer? Porque esse hábito, aparentemente inofensivo, pode romper um mecanismo fundamental para a saúde ao longo da vida: a autorregulação do apetite. Quando uma criança é forçada a comer, ela aprende a ignorar seus próprios sinais de fome e saciedade — e isso tem consequências sérias. A perda dessa conexão natural com o corpo está associada ao aumento do risco de obesidade, compulsão alimentar e outras doenças crônicas na vida adulta. Mais do que recusar um prato, a criança que diz “não quero mais” está, muitas vezes, expressando um limite que precisa ser respeitado para que ela cresça com saúde, equilíbrio e autonomia alimentar.
Por que não se deve forçar a criança a comer?
Forçar a criança a comer é uma prática muito comum entre pais e cuidadores que se preocupam com a sua nutrição e desenvolvimento. No entanto, não se deve forçar a criança a comer, pois esse comportamento interfere diretamente na capacidade da criança de identificar e respeitar seus próprios sinais de fome e saciedade. Quando esse sistema natural é desregulado ainda na infância, aumentam as chances de desenvolvimento de obesidade e outras doenças crônicas ao longo da vida. Esse é um dos principais alertas trazidos pelo Guia Alimentar para a População, que defende uma alimentação adequada e saudável baseada em princípios como autonomia, escuta e prazer ao comer.
Desde muito cedo, os seres humanos têm a capacidade inata de autorregular sua ingestão alimentar, a vontade de dormir e a vontade de ir ao banheiro, por exemplo, com base em sinais internos. Bebês choram quando têm fome e param de mamar quando estão satisfeitos. Essa sabedoria do corpo continua durante a infância, mas precisa ser protegida e incentivada — não ignorada.
Quando o adulto insiste em “só mais uma colherada”, mesmo após a criança já ter demonstrado que está satisfeita, ela acaba, ao longo do tempo, dificultando a capacidade de percepção da saciedade. A longo prazo, isso favorece comportamentos como o comer por obrigação, por ansiedade ou sem atenção — todos fatores associados ao risco aumentado de obesidade e doenças metabólicas.
O Guia Alimentar para a População Brasileira afirma que o ato de comer deve ser prazeroso, respeitoso e socialmente significativo. Quando transformamos a refeição em um momento de brigas, cobranças ou chantagens, esse prazer se perde — e com ele, o interesse natural da criança pela comida.
A construção de hábitos alimentares saudáveis passa pela criação de um ambiente acolhedor, calmo e afetuoso. Forçar a criança a comer rompe esse vínculo. Ao invés disso, o adulto deve exercer uma presença atenta, oferecendo os alimentos com paciência e confiança, sem ameaças como “só ganha a sobremesa se comer tudo”.
Esses momentos de convivência à mesa são oportunidades importantes de educação alimentar — mas essa educação não precisa (e não deve) ser rígida ou coercitiva.
Recusar alimentos também faz parte do aprendizado
A recusa alimentar é comum durante a infância, especialmente nos primeiros anos de vida. O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos reforça que é normal que a criança precise de várias exposições a um alimento novo até aceitá-lo. Isso faz parte do aprendizado e da familiarização com texturas, sabores e cores diferentes.
Por que não se deve forçar a criança a comer nesses momentos? Porque forçar a criança a comer pode gerar aversão permanente ao alimento, ao invés de incentivar sua aceitação. O ideal é oferecer o alimento novamente em outras ocasiões, sem pressão, e manter uma rotina alimentar variada, com refeições compartilhadas sempre que possível.
Quando a criança aprende a comer sem respeitar seus sinais internos, ela fica mais vulnerável a padrões alimentares inadequados na adolescência e vida adulta. Estudos apontam que o comer forçado na infância está associado a:
- Desconexão com a saciedade e aumento da ingestão excessiva de alimentos;
- Maior risco de sobrepeso e obesidade;
- Maior chance de desenvolver transtornos alimentares;
- Ansiedade em torno da comida;
- Rejeição a alimentos saudáveis, como frutas, legumes e verduras.
Portanto, a prática de forçar a criança a comer, longe de promover saúde, pode contribuir para problemas que só se manifestarão anos depois — muitas vezes de forma silenciosa.
Como incentivar a alimentação saudável sem forçar?
O Guia Alimentar para a População Brasileira propõe uma divisão de responsabilidades entre adultos e crianças: os adultos decidem o que, quando e onde oferecer os alimentos; as crianças decidem quanto e se querem comer. Essa abordagem respeitosa e equilibrada ajuda a preservar a autorregulação alimentar e fortalece a confiança da criança em si mesma.
Confira algumas estratégias práticas:
- Sirva refeições em horários regulares, sem beliscos constantes entre elas;
- Ofereça alimentos variados e saudáveis, incluindo frutas, verduras, legumes, cereais integrais e alimentos minimamente processados;
- Evite distrações como televisão, celular ou brinquedos durante as refeições;
- Dê o exemplo: crianças se inspiram no comportamento dos adultos;
- Convide a criança a participar do preparo das refeições;
- Sirva porções pequenas e permita que ela peça mais, se quiser;
- Evite transformar o momento da comida em campo de batalha — a refeição deve ser um momento de vínculo, não de estresse.
Conclusão
Por que não se deve forçar a criança a comer? Porque forçar um corpo a ignorar seus próprios sinais é negar à criança o direito de crescer em equilíbrio com suas necessidades reais. Ao respeitar a saciedade, promovemos saúde, prevenimos doenças e ensinamos que comer pode — e deve — ser uma experiência agradável e consciente.
O papel do adulto não é controlar quanto a criança come, mas oferecer oportunidades seguras e afetuosas para que ela descubra a comida, desenvolva preferências e aprenda a se ouvir. Alimentar-se bem é um processo que se constrói todos os dias — com presença, paciência e confiança.
Respeitar o apetite infantil é um ato de cuidado e promoção da saúde.
Se precisar, procure um nutricionista para te auxiliar.
E aproveite para conferir mais posts relacionados à esse assunto:
- Qual a quantidade certa de comida na introdução alimentar?
- Dicas para uma introdução alimentar de sucesso
- 4 dicas para montar uma lancheira saudável para as crianças
- Atividades sustentáveis para fazer com crianças
Livia Freitas (CRN/SP 3 82983) e Fernanda Furmankiewicz (CRN/SP 6042) – Nutrição e Curadoria da Boomi.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf. Acesso em 07/04/2025.
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_crianca_brasileira_versao_resumida.pdf. Acesso em 07/04/2025.